PIEROTTI & SCHMIDT ADVOCACIA E CONSULTOIA JURÍDICA

A Limitação do Poder Regulamentar na Majoração do IOF: Um Abuso do Instrumento Infralegal sob a Perspectiva Constitucional-Tributário

Rodrigo Schmidt Surjus - Advogado Tributarista

6/26/20253 min read

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A Limitação do Poder Regulamentar na Majoração do IOF: Um Abuso do Instrumento Infralegal sob a Perspectiva Constitucional-Tributária

O recente debate em torno do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) n.º 214/2025, que visa sustar os efeitos dos Decretos n.ºs 12.466/2025, 12.467/2025 e 12.499/2025 — todos voltados à majoração das alíquotas do IOF —, coloca em evidência uma das mais relevantes tensões do Direito Tributário contemporâneo: os limites da competência do Poder Executivo na alteração da carga tributária por meio de decreto.

O IOF e sua natureza dúbia: entre a extrafiscalidade e a arrecadação

O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é tradicionalmente considerado um tributo de natureza extrafiscal, ou seja, dotado de função regulatória e não arrecadatória. A Constituição Federal, em seu art. 153, §1º, permite que o Poder Executivo altere suas alíquotas, sem necessidade de lei formal, justamente em razão dessa suposta característica.

Contudo, como expõe o parecer do Deputado Coronel Chrisóstomo, relator do PDL 214/2025, o que se verificou com a edição dos três decretos foi um movimento nítido de aumento generalizado da carga tributária com finalidade eminentemente arrecadatória — estimando-se, inclusive, a geração de até R$ 61 bilhões em dois anos. Isso descaracteriza o uso legítimo do IOF como instrumento de política econômica e revela um uso indevido da autorização constitucional.

O desvirtuamento da função regulamentar

A utilização de decretos para majorar tributos de forma permanente, ampla e imediata configura, no cenário jurídico-constitucional, uma violação ao princípio da legalidade tributária, ainda que exista autorização excepcional no texto constitucional.

O art. 49, inciso V, da Constituição da República confere ao Congresso Nacional o poder de sustar os atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar. Ao que tudo indica, a elevação abrupta e simultânea das alíquotas do IOF sobre todas as suas bases de cálculo (crédito, câmbio, seguros e títulos) extrapola os limites da norma autorizadora e rompe com o dever de reserva legal.

Não se trata de regular uma política pública pontual ou atender a uma urgência macroeconômica, mas sim de impor um verdadeiro ajuste fiscal mascarado, sem debate legislativo, violando a separação dos Poderes e o direito dos contribuintes à previsibilidade e segurança jurídica.

A violação à anterioridade e à não surpresa

Ainda que o IOF não esteja sujeito à anterioridade anual e a nonagesimal (CF, art. 150, §1º), permanece em vigor o princípio da não surpresa, vinculado à previsibilidade das normas e à proteção da confiança legítima dos agentes econômicos.

Os decretos questionados, ao entrarem em vigor de forma imediata e sem qualquer escalonamento, impactaram diretamente a economia real — afetando o custo do crédito imobiliário, automotivo, rural e até o preço dos combustíveis, segundo apurado nos autos do PDL.

Além disso, a ausência de debate prévio e de transparência quanto aos critérios técnicos e objetivos da majoração tributária contribui para o ambiente de insegurança jurídica crônica, que afugenta investimentos e deteriora o ambiente de negócios.

Conclusão: a importância da atuação parlamentar como freio de arrumação

O PDL 214/2025 representa uma necessária reação do Poder Legislativo ao abuso da competência regulamentar do Executivo, restaurando a legalidade e reafirmando os limites constitucionais ao poder de tributar.

A tributação, como já ensinava Aliomar Baleeiro, é um “ato de violência institucionalizada”, e por isso mesmo deve se dar nos limites da lei, com ampla participação democrática e controle dos excessos. O IOF não pode ser tratado como um instrumento de arrecadação silenciosa e sem prestação de contas.

A sustentação do PDL deve ser apoiada por toda a comunidade jurídica e empresarial, não apenas em nome da ordem constitucional, mas para preservar a própria legitimidade do sistema tributário e a confiança no Estado de Direito Fiscal.